Criança tem direito ...

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sábado, 13 de março de 2010

INTERDISCIPLINARIDADE NA ESCOLA

Introdução



A discussão acerca da interdisciplinaridade tem acontecido, em larga escala, na academia, em função do grau de complexidade que o assunto requer.
A partir de uma situação que vivenciamos em uma escola, compreendemos que falar de interdisciplinaridade não é tão simples como parece ser. Assim, escolhemos para este trabalho o tema da interdisciplinaridade entendendo que ela se dá a partir das relações intersubjetivas entre leitor sujeito e textos entrecruzados de diferentes disciplinas do currículo escolar.
Nosso objetivo esteve centrado mais diretamente em compreender a distância entre aquilo que líamos e estudávamos nas teorias sobre interdisciplinaridade e aquilo que realmente acontecia na prática da escola em questão. A metodologia utilizada se deu pelas relações entre aquilo que os sujeitos nos diziam ser conhecimentos interdisciplinares no discurso escolar e aquilo que se processava (ou não) na realidade da sala de aula como legitimação desse discurso.
Pelas falas desses sujeitos e pelas teorias estudadas, organizamos um movimento de exposição de nossa pesquisa, relacionando a teoria e a prática na medida em que essas falas e essas teorias nos revelavam a possibilidade da legitimidade de um trabalho interdisciplinar nessa escola.


O caráter teórico – o construtor da teoria.



Para Piaget (1979, p.166-171), a interdisciplinaridade pode ser concebida como uma recomposição ou como uma reorganização dos âmbitos do saber na perspectiva de impulsionar um ou vários estudos a respeito de um assunto e dele extrair possibilidades de pesquisas para darem origem a novas recomposições e novas reorganizações na construção do conhecimento.
Nessa perspectiva piagetiana, a interdisciplinaridade em seu movimento de organização não pode ser concebida como uma justaposição de disciplinas escolares diferentes com a intenção de organizar estudos que esclareçam elementos em comum entre elas ou mesmo estudos que estabeleçam algumas relações entre esses elementos comuns e que, por questões estruturais, acabem apenas reforçando um nexo de interligação, numa espécie de movimento circular e, portanto, sem muitas possibilidades e nem muitas aberturas para recomposições e reorganizações.
Estabelecermos relações de diferenças ou de semelhanças, por exemplo, entre Literatura, História e Sociologia é um movimento de trocas de informações que, muitas vezes, serve apenas para, simplesmente, organizarmos uma espécie de arquivo mental que vai acumulando essas informações e, ao mesmo tempo, procura estabelecer relações entre elas e concebê-las como pontuais, válidas e verdadeiras, movimento esse, segundo Santomé (1998), considerado por pesquisadores como multidisciplinar.
Esse tipo de arquivo mental, muito comum no ensino/aprendizagem de práticas educacionais que concebem o conhecimento livresco como ponto de partida, tem em sua essência uma espécie de vírus que, depois de utilizar-se desse aprendizado para responder às provas, às avaliações e aos exames solicitados, deleta o que foi aprendido como se este para nada mais servisse.

(...) um elemento positivo dessa intercomunicação é que se produz um plano de igual para igual, sem que uma disciplina não se imponha à outra, baseando-se, por exemplo, em que em um determinado momento goza de uma situação privilegiada ou de maior prestigio que a outra. Na verdade, não se contribui para uma profunda modificação da base teórica, problemática e metodológica dessas disciplinas em sua individualidade. (SANTOMÉ, 1998, p. 71-72)

Evidentemente, a questão que se nos apresenta é a de que, mesmo não se considerando uma disciplina escolar como soberana, a partir da qual o professor possa realizar um trabalho interdisciplinar, esse tipo de movimento justaposto apenas é capaz de conceber uma aprendizagem semelhante à sistematizada e instrumental, porque pressupõe a aplicação de técnicas e procedimentos que se justificam pela capacidade de conseguir efeitos e resultados desejados em um mínimo de tempo possível por meio de símbolos que muito pouco ou quase nada a traduzem: as notas e os conceitos.
Por outro lado, comunicarmos diferentes disciplinas que possam circular ou não pelo currículo escolar fragmentado, ou seja, estabelecermos relações de semelhanças e diferenças de disciplinas que não sejam vistas, pela escola, como comuns entre si, por exemplo, a Literatura, a Matemática, a Física e a Biologia, sem explicitarmos claramente as relações entre elas. Este também pode vir a ser um movimento que não conceda aos sujeitos envolvidos no processo a possibilidade da transferência espontânea de seu aprendizado a situações reais nas quais esse conhecimento pode se tornar mais preciso e, portanto, capaz de ser recomposto e reorganizado.
O movimento interdisciplinar necessita muito mais do que a simples aproximação de disciplinas. Esse movimento requer estudos de âmbitos mais coletivos em que estas, efetivamente, passem a depender umas das outras em intercâmbios mútuos e recíprocas integrações.
Falarmos em reciprocidade é uma necessidade urgente diante do currículo escolar fragmentado, é uma emergência para calamidades públicas que se alastram pelos bancos escolares: o individualismo, o compartimento, a separação e, portanto, a alienação escandalosa. É um trabalho que envereda por um território obscuro, cheio de incertezas, um território que desestabiliza estruturas e que exige de nós, professores, três atributos: o preparo, a espera e a coragem.
Neste trabalho, de acordo com Fazenda (2000), o preparo é entendido como um movimento entre teoria e prática, entre os saberes do professor e seu cotidiano, entre sua (re) qualificação e suas propostas de trabalho, entre sua postura epistemológica de pesquisa e a realidade a que é submetido em seu contexto profissional.
A espera, por sua vez, se apresenta como uma vivência pessoal que pode nos levar a experimentar, sensorialmente, a viver o conhecimento em suas nuances e a descobrir que os outros sujeitos também seguem esse mesmo processo que se dá, muitas vezes, sem que o percebamos. Quando aprendemos com a experiência vivida, que nos proporciona a intersubjetividade, adquirimos a capacidade de lidar com o outro e recuperamos o sentido da vida.
A coragem, talvez aquilo que mais se esconde em cada um de nós quando falamos em interdisciplinaridade, é aqui entendida como ousadia, como a nossa capacidade de nos indignarmos diante do mundo e de extrairmos caminhos possíveis para superarmos essa indignação.

(...) coragem para nos desencastelar dos muros da academia, para retirar com cuidado o pó das velhas pesquisas, para exercitar com cautela e espera a provocação das mudanças e para nos prepararmos para pesquisas mais ousadas. (FAZENDA, 2000, p. 22)


Essa coragem discutida pela autora é entendida, no movimento interdisciplinar, como uma necessidade de nos desabituarmos da visão de uma ordem formal convencionalmente estabelecida pelo currículo escolar fragmentado ou pela disposição física e pedagógica do ambiente escolar e de não nos incomodarmos de ser desafiados a pensar a partir da desordem ou de novas ordens que direcionam provisórias ou novas ordenações.
Vê-se que nossa intenção maior nessa tentativa de definirmos o que concebemos por interdisciplinaridade parte do pressuposto de que esse movimento entre disciplinas tem em sua base estrutural um grande desafio para o professor: a exigência da lucidez de encontrar o caos estabelecido pelas técnicas formais e tradicionais do ensino, caos esse que proporciona aos sujeitos da aprendizagem uma espécie de culto à repetição e à reprodução do que aprendem e, com base nessa lucidez, a aceitação da ousadia e da loucura que o trabalho interdisciplinar pressupõe quando se estabelece sob a condição de questionar as verdades científicas e procurar novas explicações para elas.
Uma outra intenção deste artigo é também a de organizar uma discussão a respeito de que o movimento interdisciplinar se expressa, a priori, na competência do sujeito da aprendizagem por meio de estímulos à percepção sensorial, estímulos à intuição, à intelectualidade e à emoção por meio de textos entrecruzados que possam compor uma historiografia cumulativa desses estímulos.
Falamos em percepção sensorial referindo-nos à capacidade do homem de perceber, por meio de seus sentidos (a visão, o tato, o olfato, o paladar e a audição), o mundo que o rodeia.
Para exemplificarmos, é em um movimento de relações entre espaço e tempo por meio da memória do sujeito que essas percepções podem se concretizar. Estabelecermos relações entre textos que nos permitam análises de situações que se assemelham e ao mesmo tempo se diferenciam, porque são descritas em lugares e em épocas diferentes e, principalmente, vistas e ouvidas de modos diferentes, em uma espécie de movimento cumulativo, pode ser um caminho para que essas percepções sensoriais se manifestem.
Como estímulo à intuição, entendemos que a função do professor é fundamental nessa mediação entre o que pode ser aferido como verdade científica e o que não pode ser assim aferido, mas que não deixa de ser verdade, porque pode ter razões que a justificam. Para tanto, a partir da concepção de verdade científica, o professor, em seu espírito de pesquisador comprometido com a dúvida, pode suscitar no aluno o que este, até então, traz em si como sujeito histórico: a dialética do perguntar e do duvidar.
Essa intuição, ao mesmo tempo que parte de uma concepção rígida de visão do mundo, porque é instaurada sob parâmetros formais de disciplinas, segue a mão de uma visão em espiral interdisciplinar que não se completa linearmente, mas que levanta pontos comuns entre si, capazes de iniciar um caminho reflexivo sobre aquilo que se vive direta ou indiretamente.
A partir desses pontos de reflexão é que podemos buscar novas e diferentes teorias a respeito do conhecimento construído. Essas novas teorias vão delimitar, então, outros caminhos que se abrirão como formas de questionamento e, por assim dizer, esses novos caminhos passam a contemplar, mais uma vez, a intuição, que se tem ou não, a respeito do(s) objeto (s) de pesquisa.
A intelectualidade, entendida aqui como competência para um movimento disciplinar, passa, evidentemente, também pelo papel do professor diante do ensino/aprendizagem. Não basta ao educador o comprometimento com a pesquisa e, segundo Fazenda (2000), é preciso que esse educador seja consideravelmente respeitado pelo domínio que tem de sua própria formação e de sua própria disciplina. Esse domínio, que é pontual diante do movimento interdisciplinar, é também assentado sobre o rigor do conhecimento científico e pode inspirar os sujeitos da aprendizagem a levarem a sério suas dúvidas e seus questionamentos.
A intelectualidade do professor vista muitas vezes como essencial para a construção humana do educando é uma espécie de ponto de apoio desse aluno, muito mais valorizada e compreendida do que as próprias verdades científicas que são impressas em livros didáticos.
Outra espécie de equilíbrio que auxilia no movimento interdisciplinar é a emoção, também considerada como ponto vital para o movimento interdisciplinar a partir da intertextualidade. É por meio da competência emotiva que se pode estimular o auto-reconhecimento, a intersubjetividade, mediante uma leitura profícua de textos que se entrecruzam e afirmam, eles próprios, quem somos e o porquê somos.
Para tanto, é preciso que essa leitura atinja, também, o seu objetivo de despertar prazer. A partir desse objetivo, a leitura desses textos pode vir a ser uma espécie de conversa do autor com o leitor, uma conversa que pode suscitar uma auto-análise, semelhante a uma sessão de terapia que, mediada pelo professor em um movimento interdisciplinar, toque a emoção do leitor para que se despertem outros objetivos da leitura, como o entretenimento, o aperfeiçoamento cultural e, por conseguinte, o auto-reconhecimento.
Nessa perspectiva, ressaltamos, nessa relação de identificação do sujeito com os textos, a importância de um educador mediador que conceba o movimento interdisciplinar nestes termos os quais discorremos anteriormente e com os quais compartilhamos.
Essa pode ser mais uma forma de concebermos a leitura e a interpretação de textos que se entrecruzam como um caminho possível para o movimento interdisciplinar do conhecimento humano e, por extensão, de concebermos esse educador mediador como alguém que possibilite relações humanas mais solidárias. Entendemos que não existe interdisciplinaridade se os sujeitos do processo de ensino e aprendizagem não se perceberem interdisciplinares e, por isso, remetemo-nos mais uma vez à concepção de sujeito histórico como aquele que se constrói na medida de sua experiência e de suas reflexões teóricas sobre elas.
Percebermos a nós mesmos diante do movimento interdisciplinar é buscarmos exteriormente elementos constitutivos da nossa própria identidade, elementos esses que nos tornam mais capazes de nos socializar em um grupo, de nos tornarmos, segundo Bacon (1984), um no grupo, diferente de sermos um do grupo.
A partir do auto-reconhecimento podemos enveredar por outros conhecimentos externos a nossa identidade e que muito auxiliam para que possamos conhecer o outro, o grupo e, possivelmente, nos socializarmos nele.
Entendemos esse movimento entre a identificação do sujeito leitor com os textos que lê e a possível inserção dele em um grupo, como uma realidade que pode ser mediada pelo professor, pode ser desencadeada por meio de relações entre a razão científica e a emoção subjetiva.
Essas relações não só são capazes de proporcionar a abertura para entendimento de si mesmo e do mundo como também podem instigar energias escondidas para atitudes e ações sociais mais representativas. Numa espécie de mosaico, essas relações vão se aperfeiçoando e se ampliando entre esses sujeitos de tal forma que podem atingir objetivos que são alguns dos princípios do trabalho interdisciplinar: a humildade, a troca intersubjetiva, a ação transformadora.

Se eu fosse professor, tentaria religar as questões a partir do ser humano, mostrando-o em seus aspectos biológicos, psicológicos, sociais. Desse modo, poderia acessar as disciplinas, mantendo nelas a marca humana e, assim, atingir a unidade complexa do homem. (MORIN, 1999, p. 48)


Entendemos a humildade no movimento interdisciplinar da aprendizagem como o reconhecimento, a aceitação daquilo que não se sabe ou daquilo que ainda se precisa aprender.
Humildade, portanto, assume um caráter de pôr em seu devido lugar nossas euforias pedagógicas, nossa vaidade intelectual e nossa soberania professoral e darmos lugar de destaque à aprendizagem constante com o outro, lugar à mediação em busca da fertilização do processo de ensino/aprendizagem.
A mediação pressupõe a troca intersubjetiva pelo processo cotidiano de trocas de experiências, não só as de dentro do contexto da sala de aula, mas aquelas que os sujeitos trazem de suas vivências e que são, antes de mais nada , o ponto de partida para novas experiências. O movimento interdisciplinar requer essas experiências como necessárias para a aprendizagem e para a troca constituída mutuamente. Evidentemente, a partir do momento em que se divide, troca-se experiência, pode-se dar margem a uma heterogeneidade nas formas de se constituir o conhecimento, abrindo espaços e dimensões entre aquele que lê, que estuda e aquilo que se lê, que é estudado.
No pensamento vygotskiano, o conceito não é apenas representado pela palavra e nem se reduz às impressões, o pensamento se forma pela utilização da palavra:

"a palavra reflete e generaliza a realidade. As relações entre palavra e conceito não ocorrem isoladamente; a palavra é enunciada e interpretada numa rede de outras palavras, de interação com outras pessoas e ações sobre objetos". (GÓES e SMOLKA, 1997, p. 22)

Vê-se que o uso da palavra é o pressuposto fundamental para a construção do conhecimento. Pensamento e linguagem se constituem mutuamente. O trabalho interdisciplinar também requer esse movimento mútuo, seja entre pensamento e linguagem, seja entre trocas de experiência e aprendizagem. Entre as trocas de experiências e a aprendizagem interdisciplinar pode residir a figura mediadora do professor que, nessa função, estimula a aprendizagem por meio de questionamentos, questões conflituosas, tensas, dinâmicas, que podem atender mais aprimoradamente às ansiedades humanas.
Os questionamentos sobre as verdades cientificas não se devem reduzir a uma simples tarefa de debate, sujeitando-se às condições de produção e às determinações do discurso, precisam ser um movimento que acontece justamente para se romperem essas limitações entre os sujeitos e a aprendizagem.

Considerações finais: reflexões sobre a prática.

Quando nos referimos à ação transformadora, ou seja, à praxis, estamos de acordo com Kosik:

(...) na sua essência e universalidade é a revelação do segredo do homem como ser ontocriativo, como ser que cria a realidade (humano-social) e que, portanto, compreende a realidade (humana e não-humana, a realidade na sua totalidade) A práxis do homem não é atividade prática contraposta à teoria; é determinação da existência humana como elaboração da realidade. (1976, p. 71)

E nos apoiamos, então, a essa conceituação de praxis como possibilidade de construir uma legitimidade daquilo que se aprende com as leituras e discussões feitas na escola. É importante percorrermos um caminho que não nos leve à participação gratuita e imotivada de relações interlocutivas dentro do espaço escolar e que tomam o ato de ler como improdutivo.

Compartilhamos com a idéia de que a atividade produtiva da leitura pode se dar pelas relações possíveis de serem tecidas entre os fios da leitura de textos entrecruzados com os “fios” da leitura das experiências externas à escola.
Segundo Geraldi (1997, p. 171-175), a leitura pode acontecer por diferentes vias de interesse do leitor para com os textos que lê. O autor nos apresenta quatro tipos de relações objetivadas diante do ato de ler: “a leitura-busca-de-informações, a leitura-estudo-do-texto, a leitura-pretexto e a leitura-fruição.”
No primeiro tipo, o texto significa uma espécie de resposta às perguntas que o leitor tem, o qual busca saber mais sobre determinado assunto por meio de mais informações. No segundo tipo, o leitor vai ao texto para ouvi-lo e dele extrair as respostas mais adequadas para suas questões individuais. Essas respostas podem ser cristalizadas ou suscitadoras de novas questões.

No terceiro tipo, o leitor vai ao texto não para perguntar algo e nem para ouvir respostas, mas sim, para utilizá-lo como referência para a produção de outro texto. No quarto, o leitor vai ao texto sem perguntas pré-estabelecidas, sem escrutiná-lo pela escuta ou dele pretender produzir outro texto. O leitor lê porque lê, porque gosta de ler.
Sobre esse quarto tipo de leitura, o autor elucida que “não é imediatez a linha condutora desta relação com os outros, mas gratuidade do estar com os outros, e com eles se construir, que orienta este tipo de diálogo” (p. 121). Esse tipo de leitura nos leva a entender que esse diálogo gratuito e espontâneo do leitor com os textos pode suscitar a experiência interdisciplinar por meio de relações entre os textos e suas vivências.
Dentro do espaço escolar, os interesses imediatistas da leitura precisam ser rompidos. As questões: ler para quê? ler por quê? precisam dar espaço para outras questões como: ler o quê? como ler?:

O professor tem que optar por uma atitude que conduza sua prática e, conseqüentemente, a de seus alunos, atos de reflexão, de criação, de humildade frente ao conhecimento, de vontade de ir além, de criar, de ousar(...) Na sala de aula onde a atitude interdisciplinar acontece, as perguntas “por quê”, para quê”, precisam ser substituídas por outras mais abrangentes, que desconsiderem a produção pela massificação e pela alienação de respostas previsíveis. (JOSGRILBERT, 2001, p. 86)

A leitura de textos é uma das mais prejudicadas no que tange ao aspecto da objetivação do utilitarismo na escola. No espaço escolar, a prática pedagógica muitas vezes afasta-se das questões teóricas que envolvem esses textos ou acabam por relegá-las a um plano de irrelevância delas ou mesmo de elitismo.
Essas atitudes pedagógicas se dão, dentre tantos outros motivos, pela visão imediatista da leitura, tanto pelo olhar do professor quanto pelo olhar do aluno e, evidentemente, por considerarem o ato de ler como um produto e não como um processo de construção de conhecimentos e, muitas vezes como lúdico, resumível a quem casou com quem.
Nesse contexto de sala de aula, em que a leitura é tida como enfadonha, é possível que nem mesmo essa atividade lúdica se processe. Por um lado, pela concepção do professor de que a leitura praticada na aula é um mecanismo de auxílio na escrita do aluno e, por outro, do aluno que, querendo ter a satisfação do dever cumprido, lê o que lhe é proposto para responder questões que, muitas vezes, são tão óbvias que não exigem muito esforço cognitivo e que lhe transmitem a idéia desse cumprimento.
Esses olhares centram-se, evidentemente, na produção material. Ambos se concentram em resultados e se processam na busca deles, portanto, não são gratuitos nem prazerosos, nem pedem para acontecer. Não há nessas relações as trocas intersubjetivas. Há uma espécie de troca de favores que serve apenas para destilar, cada vez mais, a amargura e o desencanto da prestação de contas, dos deveres, das tarefas e obrigações entre esses sujeitos do ensino e da aprendizagem.
Neste artigo, tentamos trilhar um caminho inverso. Não é possível ignorarmos as técnicas tradicionais de se inserir um texto na época em que ele foi escrito, observando suas principais características e os principais juízos que traduzem aspectos daquela época, por serem essas atividades essenciais para a compreensão do texto em relação ao tempo e ao espaço. Acrescentarmos a essas técnicas, por exemplo, a possibilidade de se relacionar os textos ao mundo cotidiano, entendendo que esse cotidiano pode abranger desde o mundo contemporâneo até os impasses descobertos e vivenciados nos arredores de cada um desses textos, pode ser um caminho que venha pedir respostas a questionamentos que surgirão como forma de descortinar melhor esses textos, de revelar uma leitura de mundo mais legítima.
É possível que a partir desses questionamentos surja o movimento interdisciplinar e o trabalho possa enveredar pela pesquisa não dicotomizada em que, segundo a educadora Ludke ( 2001, p. 21): “por não se recortar a um único objeto, a pesquisa pode ser capaz de produzir conhecimentos”, conhecimentos além-textos e de outras disciplinas do currículo escolar fragmentado que se entrecruzem no momento em questão.
Por fim, é pela pergunta que colocamos como reflexão final deste artigo que entendemos residir o viço de um trabalho interdisciplinar: ao buscar um saber mais integrado, é possível que a interdisciplinaridade possa alterar o rumo dos fatos e da história da escola?
De resto, é crivando-se, também, nas responsabilidades elencadas a seguir que o contexto escolar poderá promover um trabalho continuado de futuras práticas de formação interdisciplinar de professores:

- maior mobilidade institucional na perspectiva da reformulação do currículo fragmentado;
- reapropriação do lugar de sujeito histórico capaz de repensar e transformar, conflituosamente, a prática e capaz de defender os seus direitos a um ensino e a uma aprendizagem de qualidade;
- necessidade de aprofundamentos teóricos dos sujeitos do processo acerca da interdisciplinaridade.

São essas e muitas as responsabilidades que garantem a possibilidade de se legitimar o trabalho interdisciplinar e acreditamos que a todas elas se imputam os percursos inéditos que a escola estará historicamente sujeita a enfrentar nesse século que se inicia.

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